Em março de 2024, recebemos uma solicitação de orçamento para a pintura de murais no viaduto de Nobres (município turístico situado a cerca de 120 km da capital mato-grossense), em duas modalidades: apenas um mural e um total de 18 murais que envolveria todo o viaduto.
Em julho, veio a grata surpresa de termos sido selecionados para fazer esse trabalho e fomos surpreendidos pelo fato de a Prefeitura de Nobres ter optado pela segunda alternativa, ou seja, a pintura do viaduto inteiro. Porém, a quantidade de murais foi reduzida para 12, que seriam pintados por apenas um artista. Nesse período foi montado o processo de inexigibilidade de licitação. Mas em agosto, finalmente, após a assinatura do contrato, tivemos a grande alegria de podermos viver uma aventura dessa envergadura. Seria o meu maior desafio como artista e a gente comemorou muito. Logo depois, entretanto, veio o desespero diante da imensa responsabilidade que seria a realização de um projeto daquele tamanho. Fiquei muito preocupado e nem conseguia dormir, pensando nas possibilidades. A ideia era criar uma estética, uma assinatura, uma arte que pudesse fazer parte do imaginário dos cidadãos de Nobres e de quem passasse pelo viaduto, que fica bem na entrada da cidade, e que a arte traduzisse todo aquele cenário que é um paraíso.
Ainda em agosto, tivemos uma reunião com os contratantes e a primeira coisa que falei foi que não fazia paisagens, por isso estava muito preocupado porque Nobres tem muitos pontos turísticos. Mas eles disseram que fui escolhido justamente por isso e queriam que eu criasse símbolos. Fui selecionado para criar uma simbologia, que é justamente o que minha arte fez em Cuiabá: a conexão, a ligação com a cultura cuiabana. Soube então que a proposta era criar símbolos que fizessem conexão com a cultura e, principalmente, com os pontos turísticos de Nobres.
E foi ali, naquela reunião, que minha mente começou a se abrir. Eles apresentaram o projeto pedagógico de um concurso de desenhos e pinturas em que os alunos de Nobres tinham reproduzido esses pontos turísticos. Os estudantes da rede pública acabaram me dando um norte, um caminho, para onde seguir em minhas obras. Na minha opinião, ninguém melhor para falar de uma cidade do que quem mora nela. Fui apresentado às três obras dos alunos vencedores do concurso, que teriam que estar presentes no viaduto de uma maneira mais explícita, sendo referência para o meu trabalho. Também me mostraram a seleção de 12 pontos turísticos e, a partir daí, comecei meus estudos, porém senti a necessidade de pedir todos os desenhos feitos e não só os dos alunos selecionados. Vi todos com muita atenção e, de alguma maneira, essa leitura dos trabalhos dos estudantes criou o repertório para eu criar os 12 painéis. Ressalto que dei atenção especial aos três desenhos vencedores, que retratavam a Cachoeira do Tombador, a etnia Bakairi e o Estivado, e mereceram uma leitura mais próxima. Após essa etapa, comecei imediatamente a estudar o projeto e me dei conta de que a água seria um elemento essencial. Sempre que me lembro de Nobres penso em água e a primeira arte que fiz foi algo que simbolizasse esse elemento e, posteriormente, os peixes. Depois fui solicitado a pintar uma arara para representar o turismo de Nobres e criei uma arara com as águas também. Comecei a criar várias possibilidades até escolherem uma que serviu de base para as outras. A estrutura na parte de baixo de todos os murais fala sobre as águas de Nobres, que elas mudam de acordo com o ponto turístico, e a parte de cima retrata algum ponto turístico específico. Esse foi o padrão de todos os murais e também fiz alguns com espelhamentos. Quando falamos de natureza lembramos de simetrias, os fractais, então eu queria que a obra tivesse algo harmônico, que as pessoas vissem esse ponto turístico de uma maneira simbólica, que se tornasse um símbolo para cada um desses locais.
Em seguida, partimos para a fase de execução. Em setembro, fomos para Nobres com o objetivo de começar as pinturas e iniciamos o trabalho com o pôr do sol de Nobres. Porém, chegando lá tivemos um baque maior por conta do tamanho do viaduto, que é simplesmente o maior de Mato Grosso. Fizemos todos os desenhos nos pilares na primeira sessão de trabalho e elaboramos um cronograma, prevendo uma média de quatro dias de trabalho para cada pilar. Por conta de vários motivos decidimos inverter o turno: começávamos a trabalhar às 17h e prosseguíamos até depois de meia-noite, parando por volta de uma hora ou duas horas da madrugada, trabalhando oito horas em média por jornada. Foi uma aventura incrível! Eu me mudei para Nobres e morei numa pousada por 30 dias direto. Criei uma rotina de trabalho e me senti muito acolhido pelos moradores da cidade. Muitas pessoas passavam pelo local e recebemos muito carinho, o que é sempre um combustível fundamental quando estamos trabalhando, principalmente quando o cansaço chega para valer. Receber esse carinho dava um gás a mais para continuar. Foram 48 dias de trabalho de pintura direto e o processo inteiro demorou em torno de cinco meses, desde o estudo até a pintura dos dois últimos murais que foram adicionados. Eu vivi Nobres, respirei Nobres, não fiz outra coisa a não ser assistir a vídeos, estudar as cores, os elementos. Cada um desses murais foi pintado à mão. A ideia era que cada um desses murais fosse uma obra de arte mesmo, pintado na trincha (um tipo especial de pincel). Cada elemento, cada folhagem passaram por um processo de desconstrução e estudamos quais estavam presentes em cada ambiente e também as cores da água.
A grandiosidade do projeto está na forma como foi feito e pensado exclusivamente para Nobres. É um trabalho totalmente autoral e acho que esse é seu grande valor. Passar por ali e ver que foi feito algo novo, pensado e estudado para aquela cidade. Ver que o resultado é fruto do carinho de todos que participaram de um processo totalmente voltado para a população. Já pintei em vários lugares, fiz muitas exposições, mas sempre fico muito feliz e realizado quando faço o meu melhor para pessoas da terra onde nasci. Poder exaltar a arte, fazer com que ela seja instrumento da educação e do meio ambiente é uma alegria inexplicável. A exaltação da cultura e beleza do Mato Grosso é o que me deixa mais realizado nessa grande aventura.
Agradeço à minha companheira Thatiana, que esteve comigo durante todo o processo; à minha família que me deu o apoio de sempre; à Prefeitura Municipal de Nobres e às secretarias de Meio Ambiente, Educação e Cultura.
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